terça-feira, 19 de março de 2013

03:00 a.m

       Quando o silêncio passava a reinar em casa e as luzes eram apagadas eu começava a tremer. Tinha dez anos, ou tenho dez anos? Não me lembro muito bem. Mas, recordo das palavras do meu pai:

      — É uma coberta mágica. Sempre que estiver com medo se cubra com ela e todo o mal ficará longe.
      Acreditava e acredito nisso. Assim, quando o terror da noite começava, eu ficava todo encolhido na cama. Me cobria por completo, cuidando para que nenhuma fresta ficasse aberta.

      Todas as madrugadas às 3:00, escutava os passos no quarto, os estalos nas telhas, o ranger da porta; eu apertava o cobertor, fechava os olhos com força, até que finalmente conseguisse dormir. Aquela manta realmente possuía poder, pois os fantasmas não me tocavam mais, já não sentia suas mãos invisíveis em meu rosto. Dessa forma, passei um bom tempo com um pouco mais de segurança. Sempre tendo medo de dormir, embrulhado igual um pacote, não importando se era inverno ou verão.

      Então veio o dia da tragédia. O maldito dia em que minha mãe resolveu que meu protetor mágico estava imundo e deveria ser lavado; e a chuva impediu-o de secar até o anoitecer. Chorei. Tentei dormir com a coberta molhada, apanhei, fui para a cama dos meus pais e fui expulso, deixei a luz ligada e apagaram.

      Deu 00:00 e eu estava acordado, chorando baixinho. Às 01:00 levantei, corri até o quarto em busca da segurança dos braços de minha mãe e deparei-me com a porta trancada. Bati algumas vezes, chamei; não escutaram ou fingiram não escutar. Era 02:00 e eu estava com o edredom até a cabeça, fiquei por um longo tempo rolando de um lado para o outro, e quando finalmente abaixei o pano; vi o exato momento em que o relógio do mickey apontou às 03:00 da madrugada. Deitado, encolhido, eu tremia e rezava para que o novo pano tivesse a mesma magia do anterior. E, como temia o fantasma apareceu.

      Senti seu toque em minha perna, apertei mais meus olhos. A nova coberta foi arrancada com violência e puxei-a de volta, criei coragem e olhei o quarto e não havia ninguém. E, no meio do nada, algo me atacou. Começou a estrangular-me, lutei, tentei gritar por socorro, mas não ouve som. Minhas vistas foram escurecendo, as trevas que eu tanto temia arrastavam-me, a mão invisível apertava minha garganta cada vez mais forte, quis correr, no entanto, eu era um corpo inerte. Um corpo inerte sobre a cama. Um corpo inerte nos braços de uma mãe em prantos. Um corpo inerte em um caixão velado na sala.

      — Foi apneia do sono — comentou uma tia durante o velório.
      — Mas, como isso foi acontecer com uma criança? — Perguntou a vizinha em lágrimas.

      Não lembro dos detalhes daquele dia, nem de ter visto meus pais. A triste verdade é que, não consigo me recordar do rosto deles.

     Continuo no meu quarto, tentei muitas vezes, mas nunca consegui sair da casa. Fugir da escuridão e do Devorador é o que me restava. Ele aparecia nas sombras da madrugada, não tinha rosto, não tinha olhos, nada falava, um buscador de almas de olho na minha; por isso eu me agarrava com força ao meu antigo quarto.

      Depois de anos de abandono novos moradores chegaram na casa. Eles tinham um filho. Um garoto de sorte, pois a mãe dormia com ele.

      — Querida já tem um mês que estamos aqui. Ele tem que dormir sozinho para se acostumar.
      Fiquei com pena do menino ao ver sua cara de medo quando escutou o pai falando e tirando sua mãe do quarto. O coitado estava quase chorando.
      — É uma coberta mágica — disse o pai entregando-lhe uma manta — sempre que estiver com medo se cubra com ele e todo o mal ficará longe.

      Minha poderosa coberta! Era idêntica, tinha que ser ela! Eu a queria. Logo mais o devorador surgiria nas trevas e dessa vez eu estaria com ela para me proteger!

      Os pais saíram e o garotinho se encolheu embaixo do pano. A casa ficou em completo silêncio. Toquei em seus pés e ele pulou. Até eu me assustei. Ele não conseguiu ver-me. Tentei puxar o cobertor, mas a criança agarrou-se à peça e não queria soltar. Cobria a cabeça e tremia. No entanto, eu precisava do cobertor mágico. Fiquei cego de desejo. Quando dei por mim, apertava o pescoço de um menino inerte sobre a cama.

      No dia seguinte um bombeiro escrevia e falava:
      — Hora do óbito, 03:00.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Resenha “O Olho do Mundo” de Roberto Jordan - 1º Livro da saga "A Roda do Tempo"

“O Olho do Mundo” de Roberto Jordan Livro 1 da série “A Roda do Tempo” Gênero: Alta Fantasia Páginas: 800 Editora: Intrínseca Link para com...